Coluna do Professor #377, por Albio Melchioretto (Precisamos falar sobre os Jogos Olímpicos)

Você já assistiu o longa-metragem “Precisamos falar sobre o Kevin (2011)”? Se não, fica a dica cultural. É um filme duro e impactante. Kevin, pratica tiro com arco, uma modalidade olímpica. O esporte na trama é periférico. O filme trata da mãe de Kevin que não percebe, ou percebe e não problematiza, a psicopatia social de Kevin. É uma história perturbadora, não apenas pelo enredo em si, mas pela inexistência de um motivo para o comportamento transtornado de Kevin, seja ele qual for ele. Ao longo do filme me questionava que o comportamento de Kevin demonstra ações problemáticas, mas os envolvidos foram deixando, deixando e deixando…

A primeira semana de jogos em Tóquio-21, mostrou que se há muito da mãe de Kevin. Os problemas estão aí, e vamos deixando, deixando e deixando. Primeiro deles, é patética a punição russa pelo crime esportivo em Sochi-2014. A Rússia deveria estar banida do esporte mundial, como foi a punição à África do Sul entre 1960 e 1992, por conta do Apartheid. Em vez disso, os russos criaram outro “CNPJ” e mantiveram a banca do jogo do bicho aberta. O que significa não usar a bandeira e não cantar o hino nacional? Substituíram o nome do país pelo do comitê olímpico local. Isso é apenas maquiagem diante da covardia do COI. O maior esquema de fraude da história é premiado com a permanência.

Albio Melchioretto
albio.melchioretto@gmail.com
@professoralbio

O segundo problema que precisamos falar é a postura de pressão exercida sobre os atletas. O grito de Simone Biles é um clamor que precisa de cuidado. A atleta estadunidense alega desgaste psicológico que gerou um bloqueio mental diante da competição. Os astros do esporte são gente, como a gente. Não são super-heróis. Muitas vezes, o esporte profissional exige uma postura de combate, mas não são amparados psicologicamente para conviver com tudo aquilo que os cerca. O esporte é vida e não guerra. O caso de Biles é emblemático, mas também o desabafo de Jorge Fonseca, de Portugal, que lutou com câimbra, e ainda declarou após o bronze, “esta medalha vou dedicar para Adidas e Puma porque disseram que eu não tinha capacidade para ser representado. Dedico esta medalha para dirigentes da Puma e da Adidas. Já mostrei que eu sou bicampeão do mundo, terceiro dos Jogos Olímpicos. Qual estatuto preciso para ser patrocinado pela Adidas e pela Puma?” A celebração do espírito olímpico deu lugar para as queixas, por mais justificadas que possam vir a ser.

O resultado não pode vir a qualquer custo. O poeta latino Juvenal já ensinou, “mens sana in corpore sano”. Em primeiro lugar a saúde mental, depois os resultados. Mas a necessidade de patrocínios, e a pressão social pelos resultados arma um grande buraco negro. E os jogos seguem. Deixamos, deixamos e deixamos acontecer, sem ao menos refletir o que se faz com o espírito olímpico. A lucidez da fadinha Rayssa Leal é mais tocante que a alta performance, ou a escolha de Nami Osaka para acender o fogo olímpico, após a desistência do Aberto da França, sejam sinais de esperança. A celebração do esporte deve dialogar sobre depressão e felicidade. Não são heróis, mas são gentes…

E o último, mas não menos importante, a erotização da mulher no esporte. Precisamos falar sobre a sexualização da mulher. A multa imposta sobre a seleção norueguesa de handebol de areia abriu espaço para pensar no tema. Nos jogos o debate passou longe. A melhor é sexualizada quando é mostrada diferente do homem e erotizada quando é planejada como objeto de satisfação sexual. Por que ainda hoje tratamos, por exemplo, os uniformes de maneira diferente? Ou ainda, a perversidade dos comentários, como foi claro, nas mídias sociais quando da eliminação das mulheres brasileiras no futebol? A crueldade repressiva é uma falha moral injustificável. São dois exemplos de como perpetuamos a desigualdade de gênero.

Precisamos falar sobre o Kevin, as Simones, as Rayssas e sobre a forma como tratamos as mulheres. Falar de verdade, refletir e não mascarar a realidade covardemente como se faz com os russos.

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